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A semana de provas: uma reflexão

18 maio de 2015

Mais uma semana de provas. Aparentemente, “nada de novo sob o sol”. Para além das aparências, muitos trabalhos de bastidores e questões internas (por parte de todos os envolvidos no processo).

O profissional do Da Vinci Cristiano Bezerra de Carvalho (professor de Inglês, coordenador da High School e da área de línguas estrangeiras) propicia-nos uma reflexão bem propícia para o momento e convida-nos a um olhar mais aprofundado sobre o tema, para além das atribuições de fazer ou corrigir provas.

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A semana de provas

Sala de cirurgia. Paciente aberto. Mãos firmes e concentração em seu estado mais elevado. Pergunte a um cirurgião sobre onde ele se vê exercendo plenamente seu ofício e certamente esta será a imagem que estará em sua memória. Ao pensar na plenitude do exercício da minha profissão, é a sala de aula que imediatamente aparece, com alunos em permanente estado de desacomodação cognitiva, o que normalmente significa interação entre pares e comigo, mas sobretudo com suas próprias habilidades e competências. Talvez seja devido à imagem de uma sala de aula em movimento que sempre nutri um sentimento ambivalente em relação à semana de provas, principalmente àqueles momentos em que estou em sala enquanto os alunos fazem as provas. Um misto de tédio e questionamentos toma conta de mim.

Tédio porque um professor ama “dar aula”; mas vigiar prova não é “dar aula.” Não? Não seria parte integrante do todo? Os estágios pré e pós-cirúrgicos não fazem parte de uma cirurgia? Nós, professores, frequentemente reclamamos do excesso de barulho nas salas de aula. É uma constatação da qual há pouco o que se contestar: as salas de aula são, de fato, frequentemente bem barulhentas. Mas o que propomos após a constatação do fato? E por que entramos em estado de tédio quando estamos a vigiar provas? Não está lá o silêncio que tanto valorizamos? Ou não criamos na nossa rotina momentos para o silêncio e só temos contato com ele quando é institucionalizado? Que tipo de silêncio procuramos? O que cala para que eu fale ou o que cria condições para que o meu aluno pense? Olho para frente e vejo um aluno que quase engole seu dedo, pois a unha já foi toda roída. Outro não para de mexer a perna. E há ainda aquele que não extravasa na unha nem nas pernas, mas me pede para ir ao banheiro.  Que dificuldades são estas que nossos alunos estão tendo com o momento em que entram em contato absoluto com o conhecimento e com suas habilidades? Posso me dar ao luxo, como professor, de ignorar esta imagem? E para onde vou após a constatação? Porque constatar é um dos primeiros estágios da tomada de consciência, mas não deveria ser um fim em si mesmo. Pelo menos neste caso.

Um de nossos procedimentos de aplicação de prova estabelece que toda e qualquer dúvida relacionada a enunciados ou vocabulário nas provas deve ser sanada pelo próprio aluno durante a prova, sendo a interpretação uma das habilidades avaliadas pelos exercícios propostos. Em caso de possíveis erros ou inadequações de conteúdo, o fato é discutido entre alunos e professor titular em momento posterior, quando da devolutiva do instrumento. Apesar de termos êxito no cumprimento desse procedimento, aluno é aluno; e lá está ele com braço levantado e pergunta na ponta da língua: “Professor, não conheço esta palavra. O que é ‘acuda’”? Com o perdão do trocadilho, penso eu: “Deus me acuda, aluno de 8º ano não sabe o que significa ‘acuda’”? Como não posso dizer para ele o significado, apenas peço para que releia o contexto e lhe garanto que ele conhece a palavra, que talvez não seja muito usada por ele, mas certamente o é pelos seus pais ou avós. Outros dois alunos me chamam, agora para me perguntar o significado de duas palavras que eles consideram difíceis: atribui e atribuição. Novamente explico que não posso ajudar muito, além de orientá-los a reler a questão. Mas nesse caso nem deu para usar o exemplo dos pais e avós. E os questionamentos (os meus) continuam: Estamos ensinando nossos alunos a ler? Esses mesmos alunos, que no 8º ano estudam além da sua língua materna pelo menos duas estrangeiras, precisam ser acudidos para o básico da inferência de palavras em contexto. Eles estão sendo atendidos por nós nessa demanda no dia a dia?

Bate o sinal, recolho as provas, ouço o burburinho dos alunos comentando as questões de prova e me instigo um pouco mais. Estamos criando em nossas rotinas momentos pedagógicos que propiciem o pensar e a resolução de problemas, sejam eles quais forem? Conhecemos nossos alunos? Qual será o próximo passo? Após a cirurgia, o médico prescreve o tratamento que deverá ser seguido pelo paciente e o acompanha (ou pelo menos deveria). E na nossa sala, que é a de aula, o que vem após a entrega das provas aos alunos? Como na música de Simon e Garfunkel, “a visão que foi plantada em meu cérebro ainda permanece dentro do som do silêncio”.

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