Gincana cultural do Ensino Médio: preparando para a vida
28 abril de 2016Por Paulo de Tarso Rezende Ayub
Assim como acontece com outros projetos institucionais, a gincana cultural do Ensino Médio, atividade acadêmica que demarca a transição do Ensino Fundamental II para o Médio, vem se firmando no cenário da Escola como uma rica oportunidade para os alunos experimentarem simulações da vida real, tanto para demonstrar potencialidades quanto para reconhecer necessidades e lacunas de formação ou leitura de contexto.
Compartilhada por todos os professores da série a título de terceira nota do primeiro período, a proposta é tirar os alunos da zona de conforto para expô-los a desafios, resolução de problemas, exercícios investigativos e criativos. Tendo como norteador a divisão adotada pelo Enem para os diferentes campos do conhecimento, aciona a incumbência de buscar as pessoas certas para os papéis certos, a consciência de coautoria e a visão de coletividade.
Em 2016, o tema transversal da educação alimentar favoreceu bastante a proposta de trabalho, considerando a amplitude da gastronomia como fonte de pesquisa/conhecimento, objeto estético e sensorial, combinação entre o culto do conhecimento instituído e a cultura da vivência. Foi isto que transpareceu na mesa-redonda de abertura reunindo profissionais da Escola para discorrer sobre suas percepções no contato com o tema, seja como praticantes, seja como apreciadores; seja como observadores críticos da realidade, seja como indivíduos expostos a práticas familiares, comunitárias e sociais que trazem o alimento como agregador ou polemizador.
Nas tarefas-relâmpago (conhecidas e executadas no momento da divulgação) deste ano, dividiram a cena as perspectivas artística e científica, como também se verifica na composição de diferentes páginas da agenda. O viés artístico coube à releitura/reprodução de obra de Arcimboldo com utilização de técnica para produção de tintas em horário-limite e à criação de performances artísticas para dar sentido a enunciado extraído de “sopa de letrinhas”. O enfoque científico reuniu a produção de molhos a partir de referenciais oferecidos pelos professores, a estimativa de massa de alimentos cotidianos, a maceração de uvas e as propriedades organolépticas, com alguns alunos demonstrando intimidade com odores e sabores e outros se mostrando limitados para reconhecer e manusear os temperos nossos de cada dia. A Educação Física contribuiu com um circuito de ginástica contemplando diferentes modalidades que favorecem o bem-estar emocional pela atividade física; e tendo como valor agregado a demonstração dos papéis de diferentes alimentos na pirâmide alimentar e na consciência nutricional.
As tarefas prévias (executadas em grupo) e a tarefa coletiva, que uma vez mais tiveram de ser adiadas em função da previsão de mobilizações sociopolíticas no entorno da Escola, instigaram os alunos ao espírito empreendedor, ao planejamento e à consecução, ao domínio de outras habilidades requisitadas nos mundos do trabalho e da academia.
A perspectiva das tarefas prévias mais voltada para o artístico reuniu um café da manhã representativo de diferentes regiões brasileiras, (a única região que não foi sorteada foi justamente a sudeste), a fim de cultuar nos alunos o sentimento de brasilidade; a exibição de documentários criados por alunos com chefs da cena gastronômica local, para divulgar o que há de glamouroso e de dificultoso num mercado altamente competitivo; a apresentação de cardápios em língua estrangeira, trazendo a força da gastronomia como motivo cultural e estabelecedor de conexões com a vida cotidiana e a história dos países de origem; a criação e a exibição (em desfile) de peças de roupa utilizando o alimento como matéria-prima, o que não deixou de gerar uma polêmica para a questão do desperdício em época de crise, mesmo ante nosso argumento quanto ao contingente de artistas que utilizam o efêmero como fonte de criação e reflexão, os quais fazem de instalações e materiais provisórios legítimas expressões artísticas.
Café da manhã
Documentário
Desfile
Na perspectiva de cunho científico, a tarefa de extrair 100% do alimento, aproveitando todas as suas potencialidades para a questão nutritiva em diferentes configurações alimentares ou para a produção artesanal, sem falar na alquimia de reunir ingredientes para obter as melhores texturas/sabores, surpreendeu avaliadores e plateia pela abrangência da cientificidade e inusitado das receitas. E a tarefa de montar pontes de macarrão que passassem por um teste de resistência e obedecessem a critérios de variação de massa mostrou maior habilidade de grupos de alunos ao lidarem com os desafios das Ciências Exatas em situações que simulam configurações da vida cotidiana, em especial quanto a projetos estruturais e arquitetônicos.
A tarefa coletiva deste ano transitou da dimensão étnica para a valorização do alimento nosso de cada dia, sustento do corpo e da alma. Cada turma recebeu a incumbência de montar um stand representativo de uma modalidade alimentar presente no cotidiano de nossa sociedade: tenda oriental; foodtruck; bistrô e quiosque de praia. Os alunos cuidaram de todos os detalhes para viabilizar uma praça de alimentação eclética, que aparentemente passava uma sensação de caos, mas trazia em seu bojo uma conjunção entre logística, atendimento ao cliente, marketing, estética e funcionalidade.
Prestigiada pela comunidade em geral, e este ano em particular por alunos de diferentes séries (devido à transferência de data para uma segunda-feira), a tarefa coletiva deixou transparecer diferentes perfis/estilos de turmas, num culto à diversidade com propósito de causa. A lida das turmas/ alunos com diferentes referenciais da realidade (autenticidade, diversidade de ofertas, marketing, manuseio de alimentos e cuidado com lixo, administração/destinação de recursos, negociação com fornecedores e pesquisas de mercado) propiciou-lhes um repertório de conhecimentos/experiências e uma consciência para a complexidade de algumas situações cotidianas que lhes passava despercebida, pela tendência de receberem tudo pronto ou facilitado pela mediação dos adultos.
A gincana apresenta o mérito especial de agregar os alunos e favorecer suas relações interpessoais, mas também vai na contramão da era de avanços tecnológicos que tende a uma superficialidade de leituras e ao risco de estabelecer conexões pouco autorizadas. Trabalhando a profundidade, o relacional e o afetivo, a atividade deixa o cotidiano escolar mais impregnado de seres pensantes e sujeitos colaboradores.