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Confira o discurso da Diretora Pedagógica, Maria Helena, na Formatura do Ensino Médio

13 novembro de 2018

Atendendo a solicitações/sugestões advindas de alguns componentes de nossa comunidade educativa, socializamos  o discurso proferido por nossa Diretora Pedagógica, Maria Helena Salviato Biasutti Pignaton, por ocasião da cerimônia de formatura das terceiras séries do Ensino Médio, em 2018, um misto de racionalidade e emoção que resgata a trajetória da Escola e o legado de seus fundadores, além de trazer palavras de incentivo aos alunos-formandos na concepção de seus projetos de vida e participação cidadã.

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Ilustríssimas senhoras e senhores,

Prezados formandos,

A viagem da minha vida não entraria em cena aqui, se Pignaton não tivesse partido.

Aviso-lhes que nessa narrativa não há a precisão do real porque ela se ampara na ternura que modula o racional.

Conheci Pignaton antes de ser sua aluna, ainda perdida nos devaneios e ansiedades da juventude. Nunca poderia imaginar que estava diante de mim um homem que se tornaria meu mestre, líder e amor por quase meio século, ou melhor, para além da vida.  Nossos vínculos foram se fortificando à medida que ele se descortinava para mim com sua irreverente simplicidade revolucionária, raciocínio rápido, capacidade de convencimento por meio da argumentação e do conhecimento.

Casamo-nos num entardecer de outono em Santa Teresa e desse casamento por amor nasceram Victor e Brunella, que despertaram em nós o irrefreável desejo de fazer algo que pudesse, mesmo de forma incipiente, mudar o mundo.

Iniciei-me como profissional de farmácia num laboratório de análises clínicas, enquanto Pignaton dividia seu tempo entre o colégio e o laboratório. Mesmo apreciando meu trabalho, sentia-me isolada entre as paredes e o contato quase tão somente com o frio microscópio.  À noite, quando do regresso do trabalho, encantávamo-nos com o tema predominante de nossas conversas: filhos e alunos. Foi nessas noites cálidas ou quentes, ao fogo brando da intuição, que nasceu a minha paixão pela educação.

Na tormentosa viagem para Ítaca, Ulisses fez-se amarrar com cordas no mastro do navio para resistir ao canto sedutor das sereias. Pig e eu fizemos o inverso: soltamos as amarras e mergulhamos no imprevisível e encantatório mundo das crianças e dos jovens. O início foi difícil, mas o prazeroso oficio recebeu apoio de pais e professores, que se tornaram partícipes de um sonho grande: criar neste Estado uma escola-referência em educação de qualidade, da qual nossos filhos, netos e alunos se orgulhariam. Uma escola dos sonhos, arrancada da penumbra da padronização para a plenitude da luz da criatividade e da perspectiva cultural.

Desde a criação do Leonardo, mantivemos quase o mesmo número de alunos.  Ampliaram-se a equipe técnica e o quadro de professores, os espaços de convivência, os laboratórios, as salas de espetáculos, as áreas verdes, os animais, as flores e a nossa capacidade de ver que nada é mais puro e belo que o sorriso de uma criança sob o sol da manhã e nada mais surpreendente que o olhar do jovem que exerce a capacidade de aprender com independência crítica.

Senhoras, Senhores, Estimados alunos e professores,

2018 foi um ano marcante na trama do meu existir. Tempo  de marcas indeléveis e de decisões difíceis, por muito tempo impensadas. Vender o Leonardo para o maior grupo de educação do país deu-nos a dimensão não apenas do valor econômico, mas do apreço real por nossa escola: reconhecimento afetivo a um espaço cultural da inovação e da tradição. A decisão da venda foi tomada pois desejávamos que nossos filhos, com quem praticamos o consenso no lugar do conflito, exercessem o livre arbítrio, sem o peso de repetir a nossa história.

Quando começávamos a assimilar a dor da venda de nossa escola, extensão de nossa casa e vida, Pignaton se foi, deixando a todos que o amavam o vazio. Havia um pacto entre mim e ele. Pig o rompeu e sem se despedir, discretamente, detonou o pacto. Antecipou a hora. Tenho razão de sentir tristeza e saudade. Despedimo-nos um do outro serenamente, porque não há como separar o que é indissociável: memórias e vivências pulsantes de tudo aquilo que faz o viver valer a pena. Memória que se amplia, e ao mesmo tempo, consola, é lembrar o gesto dos netos mergulhados no Lago de Lugano, onde foram jogadas as cinzas, para fazer uma carícia  no avô.

Desbravei mundos ao lado de Pig e descobri nas viagens formas inusitadas de viver e aprender que eram colocadas no nosso baú cultural para serem replicadas localmente, sem nos distanciar das vivências capixabas. Só não aprendi com ele a lição simples e profunda do limite do tempo que nem os relógios revelaram ao meu coração: o quanto nos restava ao lado um do outro, antes da tormenta.

Senhores pais e professores,

Sei que muitos aqui já se indagaram qual a importância de nosso passado para os descendentes. E, se somos pessoas ou profissionais bem-sucedidos, narramos trajetórias, apoiados na esperança de que outros deem continuidade aos nossos sonhos. Há muito tempo, descobri que fazer da história dos adultos um modelo a ser vivenciado pelos jovens é uma tarefa arriscada. Descobri também que cada vida, para não se apequenar, tem que ser original e única.

Quando o distanciamento impera entre pais/professores e filhos/alunos, tornamo-nos hábeis em esclarecer, detalhar, repetir ou exigir o que não somos. Precisamos de nos revestir da autoridade e legitimidade de quem se comporta da forma como sugere que se faça. O compartilhamento do que somos e fazemos com nossos filhos e alunos só é possível, quando nos movemos por um amor responsável, que não permite tudo ou tudo proíbe. Munidos desse princípio, tornamo-nos luz e sombra que se misturam com a sombra e luz daqueles que amamos e educamos.

Há momentos de plena identificação entre filhos e pais; em outros, a indesejada distância. Pensando na relação paterna ou materna, a poética de Drummond recria esses vínculos:

 “Mãe/Pai

Não te conheço de verdade,

mas teu sangue bole em meu sangue

e sem saber te vivo em mim

e sem saber vou copiando tuas imprevistas maneiras.”

Nenhum genitor é perfeito, mas o sangue amoroso deles bole no sangue dos filhos e isso quase basta. Nenhum de nós está fadado a percorrer os mesmos caminhos daqueles que nos precederam, pois o código genético e sociocultural é um imenso tabuleiro de probabilidades. Mas, se cada pessoa que nasce conduzir sua vida para o caminho do sucesso e da felicidade partilhada, uma geração inteira poderá se beneficiar no futuro.

Não existe nenhum outro ato de maior coragem do que ser pai, mãe ou professor que sejam inspiradores. Esses educadores que encaminham os aprendizes para uma vida digna e criativa, erigida com ética e foco, exercem a mais nobre e difícil das missões.

Meus sempre- alunos,

Se o Deus de todos os Deuses me permitisse, agora, a realização de um sonho, eu escolheria entregar a vocês, ao lado de Pignaton, não apenas o certificado de conclusão do ensino médio, mas também o mais perfeito e encantado dos livros, que tão logo folheado pudesse de imediato revelar-lhes um saber que desse origem a inúmeros sabores da arte de conviver.

Olho para cada um e constato que não consegui ler por inteiro o mapa de suas vidas. Descobri, no entanto, que, durante todos esses anos, vocês constituíram a síntese da alegria, da criatividade, do amor em nossa escola, além de exercerem a função de farol, de estrelas que iluminaram e guiaram as decisões de nossa equipe.

Vivenciamos, hoje, sentimentos controversos: de alegria por sermos partícipes de suas vitórias; de tristeza, pela perda da convivência cotidiana. Quando nos encontrarmos pelas ruas, não será preciso pedir licença para nos contar pedaços de sua história. Teremos a honra de ouvi-la porque em alguma medida fizemos parte dela.

Vão, meus queridos e para sempre-alunos, sigam em frente com o propósito de:

  • Serem livres — para a defesa de sonhos e conquistas pessoais.
  • Serem tentadores — para a descoberta de novas possibilidades.
  • Serem sábios — para a busca da profundidade.
  • Serem cultivadores – para a construção de uma vida edificante.
  • Serem valentes – com consciência do verdadeiro sentido da palavra: pessoas que têm valor para si e para o outro, e fazem a vida valer a pena.

Em essência, tenham um olhar para sua integridade física e emocional, pois são os indivíduos bons, éticos e solidários que deixam marcas de perpetuidade, para além da finitude inerente à natureza humana.

Queridos formandos,

E se algum dia a lembrança de algum episódio da vida vier a ser deturpado, que não seja pela mágoa ou pelo esquecimento, mas pelo rearranjo afetivo que seleciona e emoldura as melhores emoções.

Por último, o que por nenhuma hipótese deve ser esquecido: Divirtam-se!. Este é o grande direito da juventude, neste mundo onde ainda é possível encontrar o belo, o bom, o amor. Mas não deixem de prosseguir rumo a uma travessia ética, que os coloque sob a luz da tradição e da inovação, da autoconsciência e do respeito ao outro.

E acima de tudo, nunca se esqueçam da lição mais sábia transmitida por pais, professores e tantos outros que os amam incondicionalmente, dos quais me faço agora porta-voz: Mantenham-se vivos!

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