VIAGENS ACADÊMICAS – Manutenções e inovações
22 fevereiro de 2016Por Paulo de Tarso Rezende Ayub
Sob o enfoque da ampliação curricular que está no cerne do ideário do Da Vinci, as viagens acadêmicas (nacionais e internacional) constituem um componente do currículo “tratado a pão de ló”, pelo tanto que agregam aos educadores e alunos que delas participam, em matéria de conexão de saberes, convivência e alteridade, senso de realidade, visão de mundo.
Cada viagem acadêmica traz suas particularidades e necessidades, pois não lidamos com elas como projetos prontos e acabados, estando sempre atentos às transformações do meio que exigem dos viajantes (em especial dos escolares) leitura crítica e olhar observador; capacidade de adaptação; sensibilidade para reconhecer que algumas visitas necessitam de substituição pela perda de atrativos e que outras ofertas educativas não mantêm um padrão que justifique sua permanência.
Assim, roteiros, atividades e produções culturais estão sempre na mira dos profissionais envolvidos com as viagens acadêmicas do Da Vinci, pois, como reafirmamos amplamente em nossos discursos e práticas, nossa busca é pela qualidade em educação e perspectiva cultural, o que não condiz com atender a modismos; seguir padrões turísticos ou tendências de última hora; atender a exigências e reclames que descambem para um consumo pouco consciente.
Ao final do ano letivo de 2015, a viagem acadêmica a Campos do Jordão/Taubaté, realizada praticamente desde a fundação da Escola, passou por uma nova avaliação, sob o olhar de profissionais que a concebem, vivenciam ou colaboram para seu êxito nos bastidores. Uma equipe da Escola – formada por integrantes dos setores pedagógico e administrativo – esteve nas cidades-base ou imediações para reavaliar itens do roteiro, conhecer configurações pouco exploradas, pensar em interferências que atribuam à atividade o toque do novo revisitado.
Belezas de Campos do Jordão
Tais vivências prévias em relação às viagens acadêmicas em si são momentos ímpares de aprendizagem e reflexão, pois cada profissional se porta como um viajante em potencial e analista com senso de realidade, dotado da consciência de que nem tudo que se vivencia em pequenos grupos pode ser canalizado para o coletivo, ainda mais quando se lida com crianças de 10/11 anos, público-alvo da viagem em questão.
Foi o que sentimos, por exemplo, em relação a empreendimentos bem-sucedidos na região, visibilizados por prospectos ou iniciativas publicitárias de ponta, a exemplo da indústria de laticínios Gran Parma (em Cachoeira de Minas) ou da Oliq, agroindústria de azeite de oliva extravirgem (no bairro Cantagalo, em São Bento do Sapucaí), instigantes para se conhecer no particular, mas difíceis de incorporar à viagem acadêmica.
Fábrica Granparma – Cachoeira de Minas
Azeite OLIQ
Munidos de disposição para levar os alunos-viajantes a beberem na fonte de iniciativas pautadas pelo arrojo e empreendedorismo, lidamos com contradições típicas de nosso país que inviabilizam algumas tentativas de imersão cultural ou pedagógica. O acesso por estradas (de terra) não oferece condições confortáveis para deslocamento em tempo razoável, sem falar na impossibilidade de tráfego em tempos de chuvas. A estrutura de atendimento mostra-se mais voltada para pequenos do que para grandes grupos. A realidade que se vivencia não é por vezes compatível com aquilo que se propaga.
Por outro lado, as viagens de reconhecimento e atualização trazem perspectivas que podem ser multiplicadas para o grande grupo, segundo a leitura de profissionais atentos e comprometidos com a formação integral dos alunos. Estando em pesquisa de campo numa época pouco visada turisticamente, observamos que o Horto Florestal em Campos do Jordão, com trilhas não adequadas para alunos com a idade dos nossos nesta viagem, poderia ser substituído pela Fazenda Lenz, um local de menor amplitude territorial e acesso mais possível, e que concentra atrativos naturais e boa estrutura de atendimento.
Lenz
Ainda em Campos do Jordão, retornamos aos Jardins do Amantikir, um ponto já visitado em viagens de outros anos e retirado do roteiro por questões de infraestrutura, mas que nos pareceu ter dado uma reviravolta para propiciar ao visitante abordagens conceituais e sensoriais. O borboletário (um pouco distante do centro) é outro atrativo interessante que conhecemos e que vale a pena incluir na viagem, apesar do tempo ideal de visitação recair às 12 horas (geralmente, nosso horário de almoço) e de seu fechamento precoce (às 15 h), por condições climáticas que favorecem o voo das borboletas. Mas essas situações inusitadas servem para nos fazer reconsiderar que desafios e imprevisibilidades são inerentes à vida cotidiana e não podem ser relegados nas propostas pedagógicas.
Borboletário em Campos do Jordão
Avaliar a dinâmica de restaurantes que atendem aos moradores e visitantes (alguns ainda não frequentados pelos alunos-viajantes) também foi uma vivência interessante por parte dos profissionais da Escola. Apesar da riqueza gastronômica que caracteriza o histórico dessa viagem (a educação alimentar como mote para ampliações culturais), o que nos fará manter os jantares em restaurantes de alto padrão de qualidade já nossos parceiros, buscamos novas alternativas para os momentos de almoço, a fim de reduzir o tempo de permanência/atendimento geralmente despendido com grandes grupos. Sentimos de perto a estrutura e o funcionamento de estabelecimentos diversificados a que poderíamos recorrer em momentos alternados, com divisão dos alunos-viajantes e seus acompanhantes em subgrupos.
A visita a São Bento do Sapucaí, que tomou boa parte do tempo dedicado à descoberta de potencialidades e atrativos, foi um capítulo à parte. A pequena cidade que faz parte do circuito do Vale do Paraíba, com diferentes formas de acesso até Campos do Jordão, mostrou-se diferenciada pela organização, limpeza, receptividade dos moradores, diversidade de opções para viajantes que se disponham a explorar as potencialidades do entorno. Lá, pudemos vivenciar ótimos momentos e observar em detalhes o funcionamento de uma cidade que busca seu lugar ao sol por ser bem-cuidada pelos seus moradores e oferecer aos visitantes atrativos (lugares típicos, artesanato, centros culturais, entrepostos comerciais, moradores receptivos e conversadores) que os façam se sentir em casa e com a agenda repleta de possibilidades para explorar.
São Bento do Sapucaí
Após um balanço das visitas feitas in loco, dos diálogos travados e busca de fontes, será feita oportunamente uma rediscussão interna visando a uma avaliação panorâmica e focada da viagem, a fim de selecionar aquilo que melhor atende aos objetivos/expectativas de aprendizagem e pensar em estratégias que possibilitem um melhor aproveitamento do tempo e condições de atendimento, aí incluindo a montagem de subgrupos para visitar pontos do roteiro ou fazer refeições em momentos alternados; a ampliação das conexões pedagógicas e culturais em pontos já visitados ou a serem incluídos; a consideração de empreendimentos industriais e entrepostos comerciais diversificados.
Atividades como as ora relatadas, que não são as primeiras nem serão as últimas em nosso compromisso de firmar um ideário sob a tônica das manutenções/inovações, mostram-se fundamentais para o planejamento e consecução de componentes do nosso currículo, especialmente porque colocam os profissionais da Escola na condição de aprendentes; alimentam a polêmica que potencializa o pedagógico e o humano; contribuem para memórias e registros que transformam a Escola em um laboratório de testagens e readequações.
Ademais, servem para criar a consciência de que alguns locais/pontos não estão adaptados às exigências da nossa Escola/comunidade e que a beleza consiste em retirarmos o máximo de proveito das possibilidades que se nos oferecem, mediante reformulações no projeto pedagógico e nas atividades culturais. Vale pontuar, por fim, que as viagens acadêmicas devem servir para estimular uma leitura crítica em nossos alunos e a consciência do papel que lhes cabe como agentes sociais e comunitários, até para se converterem em futuros profissionais e cidadãos que desenvolvam uma maior consciência sociocultural e consigam transformar situações recorrentes em nosso país que têm deixado adormecidas tantas potencialidades.