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PALMIRA TRÁS-OS-MONTES

5 junho de 2017

A morte, a indesejada das gentes, é menos intrusa quando chega sem alardes, prenúncios, rompantes. Assim foi com nossa querida Palmira, levada durante o sono, sem ter enfrentado doenças graves do corpo ou da mente. Assim como nos poupou de dissabores ao longo do largo tempo de convívio, foi poupada dos revezes naturais, acidentais ou incompreensíveis que antecedem a partida.

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Morreu simplesmente, no domínio da sabedoria conquistada após uma vida intensa nas interações familiares, profissionais, sociais. Morreu calmamente, como faz jus uma pessoa que pautou sua trajetória pela ética, propósito, afeto. Morreu em silêncio, porque sempre nutriu esperança de que, como plano de fundo da matéria que se dissolve, paira o testemunho vivo e a essência imortal.

Deixa-nos órfãos de uma companhia especialíssima, que sabia proferir as palavras certas nos momentos certos; que recorria ao olhar ponderado em meio às atribulações; que fazia questão de olhar para o outro além das superficialidades ou conveniências; que conseguia ser incisiva, sem perder a delicadeza.

Deixa-nos órfãos da  intensidade de viver, do espírito livre e da autonomia de pensamento que a credenciaram, durante tanto tempo, a se reinventar na vida pessoal e profissional; a lidar com conquistas e desafios com a mesma naturalidade.

Palmira esteve conosco em dois momentos da trajetória da Escola, exercendo a liderança e a interlocução que eram suas marcas; a construir laços e tecer tramas. Dizia que o Da Vinci era uma extensão de sua casa porque, além de se identificar com o ambiente organizacional e a perspectiva cultural do currículo, apreciava a humanidade que irradia das relações de trabalho pautadas pela coerência de princípios e sintonia de pensamento.

Veio para agregar e multiplicar, nunca para dividir ou duvidar. Veio para se sentir pertencente, permitindo-se tocar e ser tocada com sua sensibilidade tocante. Veio para nos propiciar suas histórias de viagem e destrezas na gastronomia, sempre pautadas por razão e sensibilidade. Em poucas palavras, veio para nunca mais se ir.

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Palmira era, como ela mesma se intitulava, uma viajante inveterada — nas incursões ao Portugal dos seus afetos (sobre o que teceu um texto para a agenda da Escola que deveria ser patenteado como expressão de sabedoria – Texto agenda Palmira); nas viagens literárias que a faziam ressignificar a realidade; nos relacionamentos humanos que cultivava com maestria.

A partir de agora, continuará viajando por nossas memórias: dos tempos idos e vividos, das experiências partilhadas, das trocas produtivas. Estará livre para continuar a exercer a carreira-solo que a projetou em vida, mas tangente em nossos corações e mentes.

Palmira trás-os-montes: a morte material não lhe tira a potência espiritual, o astral contagiante, o potencial de leitura e expressão, a esperança no humano que deixa como legado para os que tiveram o privilégio de serem por ela cativados.

A morte, que já se assombrou com os personagens literários de “A menina que roubava livros”, encontrará um motivo mais palpável para se assombrar. Sim, porque, como nós fomos surpresados, irá se surpreender com uma mulher de fibra e  garra; e cujo repertório de vivências e memórias moldou uma raridade de pessoa.

Se o que se descortina para Palmira, após liberta do corpo físico, é a plena consciência de si mesma, para nós, que ficamos privados de sua presença, resta-nos o acalanto de um epitáfio justo: Palmira, saudades eternas da virtuose levada às últimas consequências.

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